21 de abril de 2009

> Aleister Crowley: entra “a Grande Besta”!

por Carlos Raposo

Que o Adepto seja armado com seu Crucifixo Mágico
e provido com sua Rosa Mística.
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O Crucifixo Mágico é o Bastão do Magista;
a Lança do Sacerdote; simbólica do Lingam.
Sua Rosa Mística é a Taça da Sacerdotisa, simbólica da Yoni.
(Aleister Crowley, Liber XXXVI – A Safira Estrela)

esmo quando avaliado todo o retrospecto das articulações subterrâneas empreendidas por Theodor Reuss, no sentido de dar notoriedade e reconhecimento à Ordem por ele criada, nada estaria comparado à admissão em seus quadros da “grande Besta do Apocalipse”, cognome do afamado mago inglês Aleister Crowley (1875-1947).(1) De fato, Reuss tentou reunir entre seus patenteados diversos grandes nomes do cenário ocultista do início do século XX (ver artigos sobre Rudolf Steiner, Arnold Krumm-Heller e Papus), contudo, foi justamente Crowley o personagem que finalmente daria a Ordo Templi Orientis o renome que hoje ela tem.

O presente texto visa apresentar, em linhas gerais, como aconteceu a nomeação de Crowley como líder da Ordo Templi Orientis para a Inglaterra. Ao mesmo tempo, pretendo aqui explicar porque a Ordem passou a ter tanta importância para Aleister Crowley e quais eram os planos do mago inglês para a organização concebida por Reuss.

Conforme relata certa fonte (Scriven, 2001:219), Crowley haveria sido admitido à O.T.O. em 1910, sendo recebido diretamente no VIIº.(2) Dois anos mais tarde, em 1912, após um inusitado encontro com o O.H.O. Theodor Reuss, esse o aceitaria como IXº para, logo em seguida, nomeá-lo Rex Summus Sanctissimus, Xº, Grande Mestre Nacional para a Irlanda, Iona e toda a Bretanha. Exercendo a função de Rei Inglês da O.T.O., Crowley adota para si a denominação “Baphomet Xº”, nominativa esta que lhe serviria de insígnia mística, nome mágico e selo pessoal.(3) A seção inglesa da O.T.O., sob a liderança de Crowley, passaria a se chamar Mysteria Mystica Máxima, ou M.'.M.'.M.'. (King, 2002:102 e Symonds, 1989:161n).

As circunstâncias de sua posse, em 1912, como Rei da O.T.O. para a Bretanha às vezes são narradas como misteriosas, no mínimo pitorescas. No entanto, conforme descrito desdenhosamente pelo próprio Crowley (1979:709), nesta época ele apenas considerava a O.T.O. um conveniente compêndio de “algumas verdades maçônicas”.

Sua opinião, entretanto, mudaria radicalmente, resultado de um de seus encontros com o líder Merlin Peregrinus, Theodor Reuss. Na ocasião, Reuss visitara Crowley em Londres. Ali, o O.H.O. acusaria “a Grande Besta” de revelar publicamente o supremo segredo da Ordem, o Arcano dos Arcanos, seu Segredo Central, reservado exclusivamente aos sublimes iniciados do IXº. Enquanto de um lado o atônito Crowley se defendia daquilo que era considerado uma gravíssima e injusta acusação, dizendo que nem sabia qual era o tal segredo e nem sequer pertencia ao grau em questão, do outro, um enfurecido Reuss se dirigia até a estante, pegava um opúsculo e lhe apontava o Capítulo XXXVI do The Book of Lies, livro escrito por Crowley. A passagem que denunciaria o inglês dizia que: "...que ele beba do Sacramento e que comunique o mesmo" (Symonds, 1989:160).(4) Conforme o O.H.O. da O.T.O., ali estavam explicitamente descritas tanto a natureza quanto a fórmula do ultra-secreto Rito do IXº da Ordem (King, 2002:102).

O mistério acerca do evento acima descrito vem da especulação, também por parte do próprio Crowley, para o seguinte ponto: como de costume salientando as incomuns circunstâncias de sua vida, Crowley confessou ter ficado atordoado com fato de Reuss conhecer o conteúdo do The Book of Lies, uma vez que este livro só seria publicado no ano seguinte, em 1913. Como explicar, então, pergunta “a Grande Besta”, que seu superior hierárquico na Ordem tivesse ciência do conteúdo do daquele livro, mesmo antes de sua publicação? O próprio Crowley dá a espantosa resposta, insinuando uma espécie portal aberto num de lapso interdimensional de tempo, cuja conseqüência fora proporcionar aos dois Adeptos a extraordinária oportunidade de um encontro, por assim dizer, inteiramente deslocado no espaço-tempo, adiantando-se um ano em relação a 1912 (Symonds, 1989:161-162).(5)

No decorrer do encontro e após horas de colóquio entre os dois iniciados, Crowley finalmente seria aceito por Reuss como IXº da Ordo Templo Orientis. Logo depois, Reuss o convidaria para ir a Berlim, onde seria empossado como Rei da O.T.O. para todo o Reino Unido.(6) Conforme um de seus biógrafos, John Symonds (1989:161), como Crowley jamais recusava a oferta de um jantar, uma aventura ou um título, ele prontamente aceitaria o convite de Reuss e rapidamente seria transformado em Rex Summus Sanctissimus da Ordem de frater Merlin.

Todavia, é importante destacar que Crowley afirma (1979:710) que fora justamente aquele o misterioso evento que o arrebataria numa súbita iluminação, advinda da imediata e profunda compreensão acerca da natureza dos ditos mistérios velados e celebrados pelos graus superiores daquela Ordem Templária. A partir dessa afirmação, não é exagero concluir que nesse instante Crowley passou a considerar que toda a doutrina religiosa de sua Lei de Thelema casava perfeitamente com o Segredo Central da O.T.O., como se esta Ordem também guardasse a própria Chave Mestra dos mistérios de sua religião. Assim, se até então a O.T.O. era vista por ele apenas como uma coleção de “verdades maçônicas”, agora a Ordem passava a ser entendida tanto como detentora da própria chave do progresso futuro (sic) da humanidade quanto como um veículo da boa nova thelêmica.

Todavia, longe dessas especulações fantásticas sobre supostas aberturas de portais interdimensionais, mais importante é frisar que, já em 1912, tão logo percebeu a verdadeira natureza do dogma central da O.T.O.,(7) Crowley simplesmente passou a cobiçar a Ordem para si. Deste modo, dentro de sua concepção mágica do universo, não mais importava o fato da O.T.O. ser fruto do que ele considerava Éon do Deus Morto ou Sacrificado, ou seja, conforme apregoado pela crença thelêmica, uma Ordem concebida antes de 1904.(8) Mais do que um simples ajuntamento de verdades iniciáticas maçônicas, a O.T.O., Ordem que ele considerava possuir nada menos do que a Chave de todos os Mistérios, também seria escolhida para se transformar numa Ordem religiosa cuja tarefa principal passaria a ser a difusão de sua recém criada religião thelêmica.

Desse modo, pela concepção de Crowley a Ordo Templi Orientis logo haveria de se converter na primeira Ordem do Velho Éon a se submeter integralmente e incondicionalmente a Lei de Thelema.


NOTAS:

(1) Uso de modo livre o termo “A Grande Besta”, por ser um designativo bem conhecido associado ao nome Aleister Crowley. Tecnicamente, esse título apenas seria adotado por Crowley alguns anos mais tarde, quando ele se autointitularia “Magus” de sua A.'.A.'. (com o mote mágico To Mega Therion, expressão grega para “A Grande Besta”).

(2) Outra fonte sugere sem entrar em detalhes que Crowley já havia estabelecido contato com a O.T.O. desde 1907 (Koenig, 1999:17).

(3) Tanto como líder da Ordem na Inglaterra quanto, um pouco mais tarde, autointitulado O.H.O. da O.T.O., Crowley usaria o mote Baphomet XIº. Contudo, há também quem afirme que seu nome mágico secreto era Phoenix (Grant, 1991:15).

(4) O capitulo 36 corresponde ao Ritual Safira Estrela (The Star Sapphire Ritual - Liber XXXVI). Em português, consulte minha tradução para o Liber XXXVI (cit. Duquette, 2007:133-135).

(5) Longe desta bizarra explicação, melhor é a hipótese sustentada por Francis King (2002:102n) quando sugere que a data de publicação impressa no The Book of Lies estava simplesmente errada.

(6) A patente original de Xº O.T.O. de Crowley, assinada por Reuss, parece ter sido perdida. No entanto, antes disso ocorrer, ela foi fotografada e publicada como "apêndice", em Occult Theocracy, escrito por Lady Queensborough (Koenig, 1994:4).

(7) O dogma maior, ou segredo central, da O.T.O., consiste na preparação ritualística do assim chamado Elixir da Vida, mistura de esperma com fluidos vaginais (Koenig, 1999:54). O Elixir também era denominado por Crowley e seus seguidores de Remédio Universal (King, 1989:123) ou ainda como Amrita (Koenig, 1999:55).

(8) Crowley acreditava, equivocadamente, que a O.T.O. havia sido fundada por volta de 1895, portanto, antes de 1904. Este último foi o ano de fundação da religião thelêmica e, conforme Crowley, representa o marco da passagem do Éon de Peixes para o Éon de Aquário (no linguajar thelêmico, do Velho Éon de Osíris, ou Éon do Deus Sacrificado, para o Novo Éon de Hórus).


BIBLIOGRAFIA

CROWLEY, Aleister. 1979: The Confessions of Aleister Crowley. Edited by John Symonds and Kenneth Grant. Londres: Arkana.

DUQUETTE, Lon Milo. 2007. A Magia de Aleister Crowley – Um manual dos Rituais de Thelema. São Paulo :Madras, tradução de Carlos Raposo.

GRANT, Kenneth. 1991: The Magical Revival. London: Skoob Books Publishing.

KING, Francis. 1989: Modern Ritual Magic. Dorset: Prism Press.
_____. 2002: Sexuality, Magic & Perversion. Los Angeles: Feral House.

KOENIG, Peter-Robert. 1994b: Materialien zum OTO. München: AWR.
_____. 1999: “Introduction”. In: NAYLOR, Anton R. (Ed). O.T.O. Rituals and Sex Magick. Thame: I-H-O Books; pp. 13-61.

SCRIVEN, David (aka Tau Apiryon). 2001a: “History of the Gnostic Catholic Church”. In: CORNELIUS, J. Edward (Ed) e CORNELIUS, Marlene (Ed). Red Flame - A Thelemic Research Journal, nº 2. Berkely: Red Flame Productions, pp 3-15.

SYMONDS, John. 1989. The King of the Shadow Realm. London: Duckworth.

Crédito da imagem: www.lashtal.com

17 comentários:

Ícaro disse...

Nobre Carlos,

Mais uma vez, nos vemos agraciado com sua maravilhosa obra. Estou muito feliz que você tenha voltado à "ativa". Confesso que já estava ancioso pelo próximo post. E, como já era de se esperar. Você veio fatos.


Um forte abraço!!!

Ícaro*

Anônimo disse...

Um mago negro e como negro não tem nada de louvável. Não contribuiu em nada com a evolução da humanidade literalmente um besta. Melhor ele assim morto no inferno da onde saiu sua própria motivação de vida.
Manoel

Reis disse...

Parabens pela peça, porem gostaria de saber onde pesquisar o início dos estudos de Crowley.
Reis

Carlos Raposo: disse...

Respondendo ao pessoal:

Prezado Ícaro:

Grato por suas palavras. Em breve, mais artigos serão colocados aqui. É só acompanhar!!!

Abraços!!

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Olá Manoel:

Haja preconceito, heim? Preconceito, aliás, que a marca mais notável dos ignorantes.
No mais, saiba que até mesmo Crowley nunca desejou tanto mal a uma pessoa quanto você desejou para ele.

Abraços e boa sorte com os seus "ascencionados"!!

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Prezado Reis:

Agradeço a sua visita por aqui.
As primeiras leituras que Crowley fez sobre misticismo foram dos livros: "Nuvem sobre o Santuário", de Karl Von Eckartshausen, e o "The Book of Ceremonial Magic" de Waite. Depois disso ele tomou contato com a Golden Dawn.
A partir dessas bases, somado ao conhecimento bíblico que possuía, ele desenvolveu todo o seu Sistema de magia.

Abraços.

Gustavo disse...

Sem dúvida uma ótima pesquisa e um ótimo texto que você nos deixa a disposição! Não há o que falar do seu texto que não seja para tecer elogios. Peço humildemente que você não deixe de fornecer-nos com as suas brilhantes peças, haja visto a falta de mais com este mesmo teor de seriedade e engajamento que a sua!

Mando meus sinceros agradecimentos! E sinto-me lisonjeado por estar entre os primeiros (de muitos) a comentarem favoravelmente à sua obra de arte!

Cordialmente,
Gustavo BT.

Anônimo disse...

Quanta mágoa nesses comentários!
Se energia negativa matasse...Ainda bem que nem existir ela existe.

Bom, só para esclarecer uma coisa: No fim, ele, Crowley, era ou não uma "besta"?

Carlos Raposo: disse...

Respondendo ao pessoal:

Prezado Gustavo:

Agredeço tanto sua visita por aqui quantos as palavras deixadas como comentário.

Em breve muito mais aparecerá em Orobas!!! É só aguardar.

Abraços.

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Olá Raphael!

Não ligue para as "mágoas ascencionadas". Ocorre que o mundo deles é menor do que o interior da Caverna de Platão...

Quanto ao Crowley, ele era mais um "metido à besta" do que "a própria Besta"!! :-)

Abraços.

Anônimo disse...

Olá, Raposo, tudo bem?

Parabéns pela altíssima qualidade dos seus textos. Ando afastado da web, mas logo voltarei à ativa.

Um grande abraço, mano!
Maleficence

http://maleficence.blog-city.com

Mateus S. Saraiva disse...

Apesar de não ser um admirador nem de Thelema e nem da O.T.O. São muito boas suas postagens. Dei uma olhada em seus outros blogs também, muito bons.

Vi em seu perfil que é licenciado em história, eu tinha começado a cursar também mas parei.

Abraços Fraternos.

Na Profunda Paz.
Mateus.

Mario Filho disse...

Caro Raposo,

Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, já nos conhecemos virtualmente, desde quando debatíamos em listas de discussão sobre Thelema, OTO, Satanismo, Club Choronzon, entre outras coisas, nos idos de 1996.
Seus textos e comentários, que já eram bons, foram melhorando com o passar do tempo e posso dizer, sem sombra de dúvidas, que você é um dos melhores historiadores sobre o assunto em nossos dias.
A experiência de vida adquirida, as ordálias vencidas (?) e o estudo histórico nos faz mais aptos a entender o papel da OTO (pré e pós Crowley) no mundo das Ordens.
Parabenizo-o efuzifamente!

Grande abraço,

Mário

Marco Guimarães disse...

Prezado Carlos!

Parabens pela excelente e rara qualidade no blog e nos assuntos abordados.

São poucos aqueles que atualmente nos proporcionam informações em tão alto nivel.

Caso precise de alguma ajuda pode sempre contar comigo!

forte abraço,

Marco Guimarães

Carlos Raposo: disse...

Respondendo ao pessoal:

Meu caro Maleficence!

Agradeço a visita. Saiba que todos nós aguardamos o seu retorno à internet. Certamente, vc faz falta!

Grande abraço.

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Olá Mateus.

Agradeço a visita e as palavras aqui deixadas.

Creio que tenha ficado claro que meu propósito com o blog "Orobas" não é defender ou condenar qualquer grupo específico. Meu objetivo é simplesmente apresentar a história da O.T.O. e de seus principais personagens. Desse modo, o espaço não fica direcinoado exclusivamente a admiradores de Thelema, de Crowley ou da própria O.T.O., mas sim a todas as pessoas que nutrem interesse pelo tema, sejam ou não participantes de qualquer segmento relacionado a Ordens thelêmicas.

Vc é muito bem vindo por aqui e qualquer outro comentário também será muito bem vindo. Obrigado.

Um grande abraço.

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Prezado Mário:

Agradeço suas palavras e também a sua visita por aqui.

Vc foi longe (1996)! O aprimoramento de meus textos, basicamente, tem como causa duas coisas básicas: primeiro, todo meu envolvimento com o "meio thelêmico"; depois, quando me afastei dele, o que me permitiu ter uma perspectiva mais imparcial a respeito de tudo o que ele representa.

Um grande abraço.

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Meu prezado Marco!

Agradeço a força!!

O que atualmente mais preciso e que me ajudem na divulgação deste espaço. Conto com sua presteza em relação a isso!!!

Um grande abraço.

Carlos Raposo
http://orobas.blogspot.com

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Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

Olá...Estou procurando uma obra do Aliester Crowley - título Yoga e Magia. Peço a vcs que me ajude a encontrar essa obra.
Gostaria, tbm de encontrar um grupo ou um local de estudos.

Abços
Neide

Unknown disse...

Heheehe...Crowley era um puto sacana!
Adoro isso nele. ;)

Anônimo disse...

ótimo conteudo!Gostaria de saber se vc pode me falar sobre portais interdimenssionais e sociedades secretas aqui no Brasil.agradeço!Abraços

Anônimo disse...

tres interessant, merci